O caso diz respeito a ações penais movidas
pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-prefeito de Goianinha,
Rudson Raimundo Honório Lisboa (PSD), conhecido por Disson. Em 10 ações
penais que tramitam na 14ª Vara Federal, o ex-gestor é acusado de
diversos crimes praticados contra a administração pública, referente aos
períodos em que geriu Goianinha, de 1997 a 2004. Das acusações, já
resultaram condenações no Tribunal de Contas do Estado (TCE), e na
Justiça Eleitoral.
Antes de o assunto passar ao Ministério
Público Federal, as irregularidades imputadas ao ex-prefeito de
Goianinha foram investigadas pelo MPRN. No órgão estadual, um dos
promotores que atuou no caso foi o atual presidente da Associação do
MPRN (Ampern), Eudo Rodrigues Leite, que atuou na Promotoria de Defesa
do Patrimônio Público até se afastar para cumprir as atividades
administrativas da associação, em 2012.
Na tramitação do processo na Vara Federal,
descobriu-se, agora, que em sua atuação como promotor, Eudo Rodrigues
teria cometido ilegalidades para obter informações que incriminassem
Disson, conforme atesta a defesa do ex-prefeito, em material a que a
reportagem do portalnoar.com teve acesso.
A delação
O cometimento das supostas irregularidades
teria sido perpetrado na delação premiada de Ernani Júnior, ex-cunhado
de Disson, e que foi desafeto do ex-prefeito. Tendo denunciado Disson ao
MPRN, Ernani manobrou para que o motorista que trabalhou para Disson
prestasse depoimento a Eudo de modo a corroborar as acuações que ele fez
contra o ex-prefeito.
O motorista, identificado nos autos como
André, foi procurado por Ernani e convencido a depor a Eudo. O que o
promotor não sabia nem esperava é que Ernani gravou secretamente todas
as conversas, incluindo o depoimento de André a Eudo, que ele gravou e
assistiu à revelia da lei. São esses áudios, que agora integram os autos
do processo na defesa de Disson, que indicam o cometimento de
irregularidades pelo promotor.
O artigo 210 do Código de Processo Penal
estabelece: “As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si [uma de
cada vez], de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das
outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso
testemunho.” Em seu parágrafo único, o dispositivo determina ainda:
“Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão
reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das
testemunhas”.
Não foi isso que aconteceu, entretanto, no
depoimento de André, assistido e gravado por Ernani, dentro da sala de
Eudo. Como parece estar ciente que a presença de um terceiro ali não é
permitida, o promotor adverte, conforme consta no áudio: “Você tem
informação aí, Ernani? Faz de conta que você não está ouvindo.”
Chama atenção ainda que o promotor tenha
permitido a interferência de um terceiro no depoimento de André. Por
várias vezes, Ernani interrompe o relato para acrescentar informações e
direcionar o motorista, sempre com a permissão de Eudo, que interage com
Ernani naturalmente.
Tortura
Em determinado momento, após André deixar a
sala, Eudo fica a sós com Ernani. Nesse ponto, o promotor parece tomar
parte no processo e indica que poderá recorrer a métodos adversos para
obter a informação que deseja. “Pelo que eu senti, ele sabe de bem mais
coisa”, comenta Ernani, ao que Eudo registra: “Com certeza, por isso que
eu apertei. Se você não tivesse falado nada, eu ia apertar mais. Eu não
posso obrigar o cara a falar, mas sei como espremer para que comece a
soltar”.
No Dicionário Priberam, a palavra “espremer” aparece com os seguintes significados:
1. Extrair (por compressão) o suco ou o
líquido de um fruto ou de qualquer substância; 2. Apertar muito; 3.
Fazer sair, expelir; 4. Esgotar; 5. Oprimir; 6. [Figurado] Apurar;
instar.
O sentido empregado pelo promotor pode entrar
em conflito com o que postula o artigo 1º, da Lei 9.455/97, segundo a
qual: “Constitui crime de tortura: constranger alguém com emprego de
violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: com
o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de
terceira pessoa;”.
Durante o depoimento de André, Eudo aparece
pressionando o motorista a respeito do recebimento de dinheiro em nome
do ex-prefeito Disson. “Você sabe depois as consequências se você
estiver mentindo?”, interroga o promotor, ao que escuta do motorista:
“Se o senhor botar para eu provar como é que eu vou provar?”
Procurado pelo portalnoar.com,
Eudo Rodrigues não atendeu nem retornou as ligações. A reportagem
deixou mensagem em sua caixa postal e vai continuar tentando ouvi-lo
sobre as irregularidades e suspeita de tortura que a defesa do
ex-prefeito Disson aponta na obtenção da delação premiada.
Em instantes, veja trechos dos áudios entregues à 14ª Vara da Justiça Federal pelos advogados de defesa de Disson.
0 comentários:
Postar um comentário